EU NÃO TINHA ESSE SORRISO "CHUMBOSO" QUE HOJE TRAGO E TENHO.
"Eu não tinha esse olhar lacrimoso que hoje trago e tenho"
Belquior.
“sob meu chapéu quebrado, um sorriso ingênuo e franco com vinte anos de amor”
Belquior
O bom de um blog é que sendo o blog assim meio que um diário público
se pode tragediar comedias da nossa vida e comediar tragedias da nossa vida
que na nossa vida aparece como uma realidade poética, as vezes amarga,
as vezes doce, as vezes acredoce, mas sempre degustaveis.
Eu não tinha esse sorriso chumboso que hoje trago e tenho.
Eu já tive um sorriso ingenuo transparente e generoso antes que
balas de chumbo da vida me exprodisse o cerebro e seu chumbo
derrete ao fervor da dor e se moldasse aso meus dentes.
Dos 18 aos 25 anos tive muitos empregos, nenhum que
considerasse trabalho .
Meu primeiro trabalho, que eu amava e considereva como tal
foi ser terapeuta ocupacional do Museu de Imagem e do
Inconsciente no Centro Psiquiatrico Pedro II.
Isso nos anos de 78,79.
Tive a honra e orgulho de, não só reabrir a primeira
oficina, a de modelagem, depois de mais de 15 anos do museu
fechado, e o orgulho maior de trabalhar com a Drª Nise da Silveira.
No inicio de 80 acabou o financiamento do projeto que mantinha
o museu em funcionamento, e muita gente teve que ficar uns 6 meses
trabalhando sem ganhar, quer dizer, que podia, quem tinha outro
emprego, ou era de classe media.
Então fui pra Sampa, trabalhar com a filha de Solano Trinada, Raquel Trindade.
Voltei quando o financiamento foi renovado, mas não fui aceito de volta.
Drª Nise me acusou de traira, por não ter feito o sacrificio de trabalhar
sem ganhar, e trair a causa do museu.
Isso foi uma bala de chumbo em minha cabeça e meus ideais.
Entrei num processo depressivo e auto-destrutivo, tomava doses
cavalares de artenia, optalidom, xorope benadril. Quando voltei
da viagem e me olhei no espelho, percebi meus dentes totalmente podres
resultado de passar dias e dias sem escovar os dentes, e comendo
quilos de doce.
Além de tudo a esperilidade literaria.
Traumatizado pelo desemprego essa foi a ultima poesia
que consegui escrever. Seguiu-se uma esterilidade de quase
seis anos. Só voltei a escrever alguma coisa novamente
em Abril de 1985 um texto para o 1º Encontro Nacional
de Poetas e Ficcionistas Negros, em Sampa.
SÍNDROME DO DESEMPREGO
Saindo de casa bem cedo
á procura de emprego, levou
força do meu amor, minha fé.
No ultimo anúncio marcado
mente e corpo abalados,
pela má aparência rejeitado, deixou
que vissem seus olhos pela fome
bem fundo escavado, que vissem
o carapinha emarenhado, deixou
que vissem o suor fazendo
da face negra um ébano vitrificado.
Mas não deixou
que lhe vissem o medo
comum a quem vive
a síndrome do desemprego
não deixou que lhe vissem
o velho medo porque é da certeza
que existe o medo é
que o burgues racista
faz do humano dócil escravo
um inimigo finalmente vencido
depois que sua humanidade
ele mesmo já havia esquecido.
Saindo de casa bem cedo
á procura de emprego, levou
a força do meu amor minha fé
Deixou um beijo gostoso de Colgate
e café saboroso feito mel.
Voltou á noite trazendo
um beijo mau gosto de
caldo de cana e pastel
amargoso feito fel.
Ah, a insegurança do amanhã,
de todos, do tudo.
Ah, seu velho medo
desaguado em lágrimas no regaço
do meu colo, chorado em segredo
longe do olhar racista do senhor burgues
dono e senhor dos empregos.
Ah, esse imenso desejo
que seu velho medo se transforme
com o axé do meu amor, minha fé
na minha, na sua, na nossa
nova e indestrutivel coragem
libertária do amanhã.
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