sexta-feira, 17 de julho de 2009

EU NÃO TINHA ESSE SORRISO "CHUMBOSO" QUE HOJE TRAGO E TENHO.

EU NÃO TINHA ESSE SORRISO "CHUMBOSO" QUE HOJE TRAGO E TENHO.

"Eu não tinha esse olhar lacrimoso que hoje trago e tenho"

Belquior.

“sob meu chapéu quebrado, um sorriso ingênuo e franco com vinte anos de amor”

Belquior

O bom de um blog é que sendo o blog assim meio que um diário público

se pode tragediar comedias da nossa vida e comediar tragedias da nossa vida

que na nossa vida aparece como uma realidade poética, as vezes amarga,

as vezes doce, as vezes acredoce, mas sempre degustaveis.

Eu não tinha esse sorriso chumboso que hoje trago e tenho.

Eu já tive um sorriso ingenuo transparente e generoso antes que

balas de chumbo da vida me exprodisse o cerebro e seu chumbo

derrete ao fervor da dor e se moldasse aso meus dentes.

Dos 18 aos 25 anos tive muitos empregos, nenhum que

considerasse trabalho .

Meu primeiro trabalho, que eu amava e considereva como tal

foi ser terapeuta ocupacional do Museu de Imagem e do

Inconsciente no Centro Psiquiatrico Pedro II.

Isso nos anos de 78,79.

Tive a honra e orgulho de, não só reabrir a primeira

oficina, a de modelagem, depois de mais de 15 anos do museu

fechado, e o orgulho maior de trabalhar com a Drª Nise da Silveira.

No inicio de 80 acabou o financiamento do projeto que mantinha

o museu em funcionamento, e muita gente teve que ficar uns 6 meses

trabalhando sem ganhar, quer dizer, que podia, quem tinha outro

emprego, ou era de classe media.

Então fui pra Sampa, trabalhar com a filha de Solano Trinada, Raquel Trindade.

Voltei quando o financiamento foi renovado, mas não fui aceito de volta.

Drª Nise me acusou de traira, por não ter feito o sacrificio de trabalhar

sem ganhar, e trair a causa do museu.

Isso foi uma bala de chumbo em minha cabeça e meus ideais.

Entrei num processo depressivo e auto-destrutivo, tomava doses

cavalares de artenia, optalidom, xorope benadril. Quando voltei

da viagem e me olhei no espelho, percebi meus dentes totalmente podres

resultado de passar dias e dias sem escovar os dentes, e comendo

quilos de doce.

Além de tudo a esperilidade literaria.

Traumatizado pelo desemprego essa foi a ultima poesia

que consegui escrever. Seguiu-se uma esterilidade de quase

seis anos. Só voltei a escrever alguma coisa novamente

em Abril de 1985 um texto para o 1º Encontro Nacional

de Poetas e Ficcionistas Negros, em Sampa.

SÍNDROME DO DESEMPREGO

Saindo de casa bem cedo

á procura de emprego, levou

força do meu amor, minha fé.

No ultimo anúncio marcado

mente e corpo abalados,

pela má aparência rejeitado, deixou

que vissem seus olhos pela fome

bem fundo escavado, que vissem

o carapinha emarenhado, deixou

que vissem o suor fazendo

da face negra um ébano vitrificado.

Mas não deixou

que lhe vissem o medo

comum a quem vive

a síndrome do desemprego

não deixou que lhe vissem

o velho medo porque é da certeza

que existe o medo é

que o burgues racista

faz do humano dócil escravo

um inimigo finalmente vencido

depois que sua humanidade

ele mesmo já havia esquecido.

Saindo de casa bem cedo

á procura de emprego, levou

a força do meu amor minha fé

Deixou um beijo gostoso de Colgate

e café saboroso feito mel.

Voltou á noite trazendo

um beijo mau gosto de

caldo de cana e pastel

amargoso feito fel.

Ah, a insegurança do amanhã,

de todos, do tudo.

Ah, seu velho medo

desaguado em lágrimas no regaço

do meu colo, chorado em segredo

longe do olhar racista do senhor burgues

dono e senhor dos empregos.

Ah, esse imenso desejo

que seu velho medo se transforme

com o axé do meu amor, minha fé

na minha, na sua, na nossa

nova e indestrutivel coragem

libertária do amanhã.

v

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