sexta-feira, 10 de julho de 2009

VALA

á delma, irmã

Vala, manancial de xistossomose
beço de tifo
cova natural de muitos
amigos de infancia
crivados de bala.

Rio
dos meus barquinhos
de elástico e graveto...
Rio das pescarias de rã
com barbante e miolo de pão


PARA ALÉM DE TESÃO

E aquela tesão da manhã
que rareou um pouco nodia
na cozinha e no tanque da madame
E aquela tesão da manhã
que rareou um pouco mais ainda
com o sufoco no onibus Castelo-Acari
sem sequer saber se chegava viva ou não
E aquela tesão da manhã
que rareou ainda mais um pouco
com a fome não saciada
pelo pedaço de ovo com macarrão
e feijão requentado pra sobrar
mais um pouco pras crianças
almoçarem amanhã, dividindo
o pouco, irmão com irmão.

E aquela tesão que pouco a pouco
se rareou mais um pouco
até ser quase só desespero
Esse amor feito quase sem gosto
e com muito cansaço até o gozo
misto de orgasmo e afrição.
Esse aor feito dum outro jeito
de se amar que nos foi preciso encontrar
pra fazermos amor bem gostoso
Porque só a gente se amando,
se amando muito mesmo
para além das necessidades do espirito
e do corpo ou simplesmente paixão
pra conseguir fazer amor gostoso
cansada e quase sem tesão.



SÍNDROME DO DESEMPREGO

Saindo de casa bem cedo
á procura de emprego, levou
força do meu amor, minha fé.
No ultimo anúncio marcado
mente e corpo abalados,
pela má aparência rejeitado, deixou
que vissem seus olhos pela fome
bem fundo escavado, que vissem
o carapinha emarenhado, deixou
que vissem o suor fazendo
da face negra um ébano vitrificado.

Mas não deixou
que lhe vissem o medo
comum a quem vive
a síndrome do desemprego
não deixou que lhe vissem
o velho medo porque é da certeza
que existe o medo é
que o burgues racista faz

do humano dócil escravo
um inimigo finalmente vencido
depois que sua humanidade
ele mesmo já havia esquecido.

Saindo de casa bem cedo
á procura de emprego, levou
a força do meu amor minha fé
Deixou um beijo gostoso de Colgate
e café saboroso feito mel.
Voltou á noite trazendo
um beijo mau gosto de
caldo de cana e pastel
amargoso feito fel.


Ah, a insegurança do amanhã,
de todos, do tudo.
Ah, seu velho medo
desaguado em lágrimas no regaço
do meu colo, chorado em segredo
longe do olhar racista do senhor burgues
dono e senhor dos empregos.
Ah, esse imenso desejo
que seu velho medo se transforme
com o axé do meu amor, minha fé
na minha, na sua, na nossa
nova e indestrutivel coragem
libertária do amanhã.


POR UM AMOR MAIOR

Hoje tua preta amanda
não pode fazer amor contigo
chegou do trabalho cansada,
explorada, currada, assediada
pelo olhar tarado
do senhor patrão.

Hoje tua preta amada
não pode fazer amor contigo.
Precisou de tí mais
que pai, irmão ou homem...
precisou e encontrou-te amigo.

Hoje tua preta amada
não pode fazer amor contigo
mas te ensinou um amor,
um amor maior que jamais
havias aprendido.


DOMINGO


A Catuaba para
escorregar o café
um giro na feira
comprar uma Roberta Close
para comer ao molho pardo
a pelada no rala-coco
pra tirar a barriga
um mocoto com arroz
uma cerveja com
o vapô da área
na tendinha do tião
um pagode esperto
um samba do Ne do Wilson
o macara á tarde
Vasco e Flamengo
de casa cheia
Os trapalhões na tve
o fantastico mentir da vida
uma bimbada na nega
para relaxar corpo e mente
e amanhã acordar tranqulis
e ser explorado
pelo patrão numa boa...

E me deixar fazendo
o almoço uqe será jantar
talves amanhã outra vez almoço
que voce ira comer
temperado com amortesão
que sempre fica recolhido
em meu corpo inteiro
ardente, inquieto, angustiado
de insastifação e frustração
de quase sempre e esse quase sempre

entre nós é todo dia... que
voce me come, jorra-se
cai pro lado e dorme
antes mesmo que eu sinta
dor, prazer ou gozo
de ter voce dentro de mim.





ÍVO VÊ O OVO

á delma, irmã amada.
Barquinho de graveto
nas valas da favela
banhos de rio
jogo de gude
cachorro fazendo trenzim
dibico de pipa
vizinha de perna aberta
aparcendo a calcinha
pique de esconder
gazeta bem batida
machucadinho no dedo
priminha fazendo xixi
cavalo calvagando
professora sorrindo
correição de formiga
manga roubada
contar estrelas com dedo
viajar pelo mundo
na goiabeira do fundo do quintal
ver São Jorge na Lua...
Tudo isso me assustava
fascinava e emocionava
a um só tempo
fazendo da nossa infância
pobre e desamada
uma infância quase feliz.

Mas nada, nada me assustava
e fascinava mais a um só tempo
que ficarmos horas afio
venho pintinhos nascerem do ovo.


SÓ CRIOULO

a líane galvão

Ipanema,
Madureira,
sou Favela.

Branco,
negro,
sou mestiço.

Operario,
intelectual,
sou poeta.

Machista,
Feminista,
sou simplesmente amante.

Esquerda,
Direita,
Sou só crioulo... só.


QUEM DIZ QUE... NÃO VIVE, NÃO SABE O QUE DIZ

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não vive, não sabe
da angústia da favela.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não vive o medo que
a favela vive constantemente.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não vive a violencia
do crime organizado que
oprime a favela.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não vive a miséria
que vive a favela.

Qume diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não vive os abusos
e as chacinas policiais
que atingem a favela.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.


Só vive a favela
nas retóricas academicas
de suas teses de doutorado.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Só vive a favela
nas lombras alucinadas
das madrugas do Baixo-Gavea
ainda meio que cheirado.

Quem diz que favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Só vive a favela
no assistencialismo paternalista
da neodireita vivariqueana
que periga imobilizar a favela
de sua autonomia.

Quem dizque favela
é quilombo urbano
não vive, não sabe o que diz.
Não sabe que quilombo urbano
seria sinonimo de socialismo,
não machismo, não racismo, igualdade,
irmandade, parceria, ajuda mútua,
amor, felicidade, harmonia...
e que na favela
há muito pouco de cada isso
um quase nada de cada isso.

Daí que,
a existencia de favela
é ela mesma
a prova mais contundente
da inexistencia de
quilombos urbanos.



FAVELA: CEM ANOS.

Tá visto que em cem anos de favela
muito sangue de moprte banhou
as terras batidas de becos, ruas e vielas.

Mas tá visto também que na favela
há muito mais mulher que a gente
e muita menina vira moça toda hora, todo dia
se vendo meio que assustada e maravilhada
pela primeira vez menstruada.

Vai daí, que por benção de Mãe Oxum,
essa saguinolência toda que jorra na favela
por cem anos a fio, filetes e chimvicas,
tem sido muito menos da certeza da morte
e muito mais da verdade da possibilidade da vida.

Daí que, pela graça de Mãe Oxum,
nafavela, centenariamente, se sangra ainda
muito mais da divina maravilha da criação
que dos horrores letais das chacinas.


ACARI-SUPRAEMERGENTE
( ou entregando a favela a cidade)

Quem sabe na próxima enchente
a favela submerge no Rio Acari
duma vez... só de vez

E emerge na Avenida Sernambetiba
frente a barraca do Pepê...
Vái daí que para o gáldio dos emergentes...

dá até pra acreditar que só assim
nós da favela sejamos entregados

saco da cbeça e algemas nos pulsos
favelabairranamente á cidade...

Zé Gabiolé: ói nós da favela
supraemergentes da Barra.


REGRAS E EXCREÇÕES

Vê legal... são cento e cinquenta e tres bairros
e mais de seiscentes favelas dentro deles...
coisa meio assim que matar o porco
tirar a tripa do porco, picar o porco
e botar o porco dentro tripa
que vira lingüiça.

Vê legal... que já há mais favela
que bairro e agora os bairros
tão dentro das favelas.

Vê legal então que já não é
alguma pobreza
dentro de muita riqueza.

Agora é alguma riqueza
dentro de muita pobreza.

Vê legal então
se favela hoje é regra,
então se bairro é excesão,

Ser da favela hoje é regra,
ser do bairro hoje é excreção.


NÃO HÁ UM CANTO DA FAVELA

Não há um
canto de favela
que não guarde
uma história.

Não há
um canto
de favela
que não tenha
um conto
pra contar.

Não há
um canto
de favela
que não guarde
histórias
nas marcas
da ultima
enchente nas
paredes dos
barracos
que levou
agua á baixo
tvsvideosgeladeiras
armários,
roupaspanelas
que ficou-se
devendo prestações
mas com sorte
saiu-se
com vida.

Não há
um canto
da favela
um cantinho
de viela
que não guarde
ainda os sons
das vozinhas femininas
infantis
brincando
de casinha e Bárbie
até uma
sairavada de AR-15
botar todo mundo
embaixo da mesa
da cozinha
longe do lugar
da bala perdida
achar um.

Não há
um canto
da favela
que não guarde
as vozes sussurradas
dos meninos
contando
a boca miúda
os feitos lendários
de Jotaélli
quando da retomada
épica do seu
Reino d'Pó
das parades do Acari.

Não há
um canto
da favela


que não guarde
o testemunho
choroso
de um irmão em Deus
subitamente
per'vertido a fé cristã
depois de tantas
dores e horrores
que infligiu
aos seus inimigos
e suas familias
aqui na Terra.


SE FICAM IMPUNES... NOS CHACINAM A DIGNIDADE


Chacinam em Hiroxima,
Nahasaki, Auschwistz...
se ficam impues...
uma chacina contra nossa verdade.
Depois, que verdade
diremos ás nossas crianças
e toda gente que amamos
eanos amam também.

Chaicina em Sharpville,
Saigo, Luanda...
Se ficam impunes...
uma chacina contra nosso olhar.
Depois, com que olhares
olharemos nos olhos
de nossas crianças
e toda gente que amamos
e nos amam também.

Chacinam em Ruanda,
em Bagdá... Guerra do Golfo...
Se ficam impunes...
uma chacina contra nossa alegria.
Depois, com que alegria
abraçaremos as nossas crianças
e toda gente que amamos
e nos amam também.

Chacinam no Carandiru,
na Candelária, em acari, ianomamis...
se ficam impunes...
uma chacina contra nossa esperança.
Depois, com que esperança mostraremos
o caminho para nossas crianças...

Com que esperança caminharemos
junto com elas
e toda gente que amamos
e que nos amam também.

Chacinam em Eldorado dos Carajás
em Belford Roxo , em Vigario Geral
se ficam impunes...
uma chacina contra nosso senso de justiça.
Depois, que senso de justiça legaremos
ás nossas crianças
e a toda gente que amamos
e que nos amam também

Chacinam em Sabra e Shatila,
se ficam impunes...
uma chacina contrao amor que existe em nós.
Depois, com que amor
amaremos nossas crianças
e a toda gente que amamos
e que nos amam também

Chacina na favela,
chacinam no campo, chacinam na cidade
se ficam impunes...
uma chacina contra nossa dignidade humana.
Depois, com que dignidade
continuaremos vivendo
com nossas crianças
e com toda gente que amamos
e nos amam também.

Chacinam nossas crianças,
chacinam a gente que amamos
e que nos amam também...
se ficam impunes...
uma chacina contra nossa própria vida.


Depois, que vida continuaaremos
a viver... sem verdade, ,sem olhar,
sem alegria, sem esperança,
sem justiça, sem amor
e sem dignidade humana.


v

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