á Carol maíra
Cuidando d’ocê Eu cuido d’eu! Oce deix’eu Cuida d’ocê É seu jeito De
cuida d’eu!
Deley de Acari
Diante da possibilidade ter um texto publicado no site do comitê, pela
primeira vez, a cabeça de um defensor de direitos humanos que age na linha de
frente, é agitada por um turbilhão de idéias de temas sem que qualquer deles
tomem uma forma minimamente organizada o bastante de um texto sintético em duas
laudas como foi pedido.
No gira gira desse turbilhão uma idéia de assunto se projeta pra fora e se
torna mais visível. As cuidações das mulheres negras e não negras pobres das
favelas e periferias da cidade e da zona metropolitanta com os homens de sua
vida, seja filho, marido, pai,irmão, amigo ou simplesmente namorado. Cuidações
amigas!
VE SE FICA VIVO,TÁ?
Essa frase tema é na verdade o título de um conto já escrito mais ainda
não publicado. Não vou escrever o conto aqui. Apenas vou dizer como ele surgiu.
Na verdade não é uma criação minha. Me apropriei dela depois que a ouvi
da boca de uma menina negra de 15 anos, dita, ás minhas vistas e aos meus
ouvidos, ao seu namorado, pelo menos 10 anos mais velho que ela, que passou
perto o grupo onde estávamos juntos, armado e fazendo a segurança de um chefe
do tráfico.
Dita num tom imperativo e fortemente emotivo, a frase soou ao meus
ouvidos, mais do que a preocupação de uma namorada com a vida de seu amado, em
evidente risco de vida permanente. Soou maternal. Irmã mais velha de quatro
irmãos, filhos de uma mãe que se tornou mãe mais ou menos na idade que ela tem
hoje, essa garota, teve sedo que largas as bonecas, ou alternar os cuidados com
elas, com os cuidados para-maternais com os irmãos e irmãs mais novas, já que a
mãe saia para o trabalho as 5 da manhã e só voltava lá pelas 10 da noite.
Vale lembrar que esse instinto maternal, de ser “mãe” sem que se tenha
parido os “filhos”, se desenvolve também nos meninos mais velhos, que tem que
tomar conta dos irmãos mais novos, pela ausência da mãe. A diferença é que, nos
meninos, essa “maternalidade” precoce some, desaparece com o tempo, sequer se
transforma numa “paternalidade.”, enquanto nas meninas permanece e são
ampliadas, por exemplo as pessoas mais velhas, não só de sua família, mas do
seu circulo de amizades, relacionamentos, inclusive, aos próprios pais, tios,avós...
Nascida e criada na favela,essa menina, de 15 anos, cresceu vendo os
homens de seu convívio comunitário, morrerem sedo,mais sedo que as mulheres
como ela. Teve um tio morto ainda adolescente quando ela era ainda uma bebe,
mas não tão bebe que, não quarde na memória difusa e embaçada, do seu velório e
de sua mãe, suas tias, e sua vó chorando em torno do caixão.
Embora seu tio tenha sido morto pela policia, ela tenha visto e sentido
a morte de muitos amigos de infância que entraram para o trafico e também
morreram sedo de forma violenta, e ela tenha dito essa frase, temendo que
o mesmo aconteça a seu namorado ela representa uma idéia fixa, repetida com um
mantra, apenas em pensamento ou verbalizada, como uma micro oração, por toda e
qualquer mulher favelada como ela, quando os homens da família saem pra
trabalhar, pra ir pra escola, ou simplesmente se divertir na pelada, ou no
baile funk da favela.
Seu cuidado com o jovem que ama, não é um cuidado isolado. É a expressão
de um cuidado coletivo que esta no coração de toda mulher favelada diante do
terrorismo de estado que paira de forma permanente sobre os territórios de
praticamente todas as 1060 favelas existentes hoje, no Rio.
Terrorismo imposto por um Estado Civil-militar-judicial-penal que ameaça
permanentemente invadir a favela atirando a esmo, matando e ferindo,moradores
comuns,ditos inocentes, ferindo e depois executando sumariamente qualquer jovem
que seus agentes identifiquem como suspeito de ser bandido, ou seja realmente.
Pode passar dias, semanas, talvez um mês sem que haja uma operação
policial na favela, mas, coração de mãe não se engana e esse coração materno,
seja físico simbolico ou apenas simbolicamente materno, como a da jovem, sofre
e se atormenta permanentemente e fica e vigília vinte quatro horas por dia,
mesmo quando ela dorme, até acordar assustada e tremula com o estalido de um
simples bater de porta o queda de um copo de plástico na cozinha.
Aos poucos, dia á dia, esse terror permanente, esse medo invisível mas
pesado em seu coração vai fazendo mal a ele, e no seu cuidado com os homens de
sua família, faz ela, não esquecer mas por em segundo plano o cuidado com ela
mesma. E só não lhe faz mais mal ainda porque pra ela, cuidar, contra o
terrorismo de estado, seja de um homem de sua família, namorado ou amigo, é um
jeito dela cuidar de si mesma. Cuidado deles ela cuida de si mesma, assim se
faz as cuidações amigas das mulheres negras e pobres das favelas e periferias,escudos
de defesa materna real ou simbólica contra o terrorismo de estado que vem
promovendo o extermínio de milhões de jovens, na maioria negros das favelas e
periferias da cidade e da sua zona metropolitana.
Deley de Acari,poeta
,Integrante do coletivo fala acari
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