sábado, 3 de fevereiro de 2018

EBULIÇÃO DA ESCRIVATURA treze poetas impossiveis, 4 negros possiveis




Em 1978, nos tempos mais sinistros da Ditadura Militar a Editora Civilização Brasileira lançava EBULIÇÃO DA ESCRIVATURA, Treze poetas impossíveis, publicação coordenada pelo Poeta Moacyr Felix. Dela participaram 4 poetas negros que posteriormente se revelaram estarem entre os mais talentosos poetas brasileiros do Séc. 20. Alguns deles inclusive como letristas de MPB.

O lançamento foi numa noite histórica para a luta pela liberdade, no teatro casa grande na Zona Sul do Rio.
Começo a transcrever aqui este quatro poetas negros. Perdido durante uns vinte anos achei outro exemplar do livro, na feira de Acari por C$ 2 Reais.

Por enquanto só um poeta de cada um deles pra botar pilha em vocês pra continuar seguindo o blog e comentar pra gente iniciar uma roda de conversa por aqui longe da doideira monológica insana do facebook.

Começo pela ordem publica no livro com SALGADO MARANHÃO:

GRITO E GRAVIDADE

que pelo menos seja conquistado
andar pelos quatro vãos da casa
recriando as falas desgastadas,
pular pro quintal, ganhar a floresta,
juntar guerreiros,
companheiros perdidos,
detritos de frases,
e tecer um com as vozes
que ainda sobram.
aproveitar a excitação da terra,
vim trazendo a bola pro nosso campo,
o que se gasta na luta,
se recompõe na conquista.
entre sóis e cipós de marmeleiros
tucuns,coroátas,, babaçuais,
tarará, tam tam tam, deixa pra lá,
deixa cantar, deixa aclarar
a palidez sanguinária desses rios
desses homens congelados.
embora não se comente,
os poetas trabalham com a língua
suja dos fatos.
com as armas grávidas das sementes,
que não falte saliva
para lubrificar as gargantas,
e que não falta palavras para embalar as idéias,
e u direi agora em viva voz:
que o canto do homem,
não pode ser menor que o nó de seu pavor.




JORGE CLAUDIR

MEIO REPENTE

Se eu disser que é meio frio
você diz que é meio quente
se eu disser meio moroso
você diz meio repente
se eu disser que é meio  tema
você diz que é meio mote
se eu disser que é meio salto
você diz que é meio bote

Se eu disser que é meia folha
você diz que é meia palha
se eu disser  meio honesto
você diz meio canalha
seu disser meia canoa
você diz meio navio
se eu disser meias chama
você diz meio pavio
...................................

Se eu disser que é meio aço
você diz que é meio ferro
se eu disser que é meio grito
você diz que é meio berro
se eu disse meio bonito
você diz metade feio
se eu disser meio recado
você diz recado e meio.


HAI-KÁFRICO

Aqueles que nós amamos
Sabem muito bem quem são
aqueles a quem odiamos.




ÉLE SEMOG

DOUTOR

Me desculpe,doutor,
mas o senhor é branco
há mais de trinta anos
ee não é justo
que de repente,
simplesmente de repente,
o senhor afirme que
que os crioulos não tem problemas,
que a luta do crioulo
é menos importante que a luta de classes,.
Me desculpe, doutor,
mas enquanto a maioria não entender
que antes de sermos "todos'
ante somos um só,
nunca sairemos desse círculo.
Os homens fazem os sistemas
e os sistemas prendem o homens.
Tô cansado  de porrad, doutor,
me desculpe, nós somos bons
amigos, e toda ajuda que vier é valida,
mas o senhor nunca teve
um filho ou um  irmão, negrinho como eu
que lhe disse na hora do jantar
que queria ter olhos verdes.
Me desculpe,  doutor,
mas existe um pratica
que nenhuma teoria explica,
porque é preciso ser, sendo...
ser e viver crioulo.



SÉRGIO (NATUREZA) VARELA

VOCE SABE?

você sabe que eu sou falho
então me diga
eu vou ouvir fazendo figa
pode ser que quebre o galho
daquela arvore antiga em pleno
                                         outono.
num quintal seco e sem dono
onde eu sirvo de espantalho
você sabe o meu valor
então me conte
eu vou olhar pra onde aponte
sua mão, meu atalho
na mesma estrada torta
onde eu sou a curva
a pista morta, a vista turva
com poeira e com cascalho
você sabe que eu mereço
então tá justo
o custo, o preço que me cabe
com a paga do trabalho
                   Você sabe que nem eu sei o quanto valho?

Todos os poemas publicados
em EBULIÇÃO DA ESCRIVATURA
Editora Civilização Brsileira,
1978


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